Medicina Interna de Harrison

Vírus Zika

INFECÇÕES PELO VÍRUS ZIKA E INFECÇÃO FETAL/MICROCEFALIA ASSOCIADA AO VÍRUS ZIKA

David M. Morens, MD, Office of the Director, National Institute of Allergy and Infectious Diseases, National Institutes of Health, Bethesda, MD; Anthony S. Fauci, MD, Chief, Laboratory of Immunoregulation; Director, National Institute of Allergy and Infectious Diseases, National Institutes of Health, Bethesda, MD

A pandemia do vírus Zika continua a se espalhar por toda a América Central e do Sul, além do Caribe, incluindo casos exportados de locais endêmicos para a região continental dos Estados Unidos e outros países. Como o vírus Zika está causando uma epidemia em Porto Rico e foi importado para os 50 Estados além do Distrito de Colúmbia por 934 viajantes que chegaram (até 2 de julho de 2016), muitos profissionais da atenção primária encontrarão esses diagnósticos e muitos outros profissionais precisarão aconselhar os pacientes em relação aos reais riscos e medos infundados. À medida que a pandemia ainda evolui ativamente, é provável que as informações sobre a pandemia e as opções de diagnóstico, tratamento e prevenção também necessitem de atualizações frequentes.


História e Eventos Globais

A epidemia atual de Zika em Cabo Verde, na África Ocidental, está agora associada com a mesma cepa de vírus Zika que circula nas Américas, sugerindo que o vírus foi provavelmente exportado do Brasil ou de outra nação das Américas para Cabo Verde. Isso significa que o vírus Zika se espalhou literalmente por todo o globo até chegar à região de sua presumível origem, África Ocidental, e que o Zika fez as últimas 10.000 milhas dessa jornada, das ilhas do sul do Pacífico até a África Ocidental, em cerca de 2 anos ou menos.

Com exceção da dengue, nenhum outro vírus transmitido por artrópodes se expandiu tanto geograficamente – e nenhum arbovírus, incluindo a dengue, se espalhou tanto e tão rápido. As razões para o surgimento súbito e explosivo do vírus Zika não são conhecidas, pois o vírus já existia há décadas na África e em partes da Ásia/Sudeste Asiático sem causar surtos reconhecidos. Prováveis cofatores nessa disseminação explosiva incluem o movimento humano (viagem de milhões de pessoas por ar, mar e terra), suscetibilidade da população e altas prevalências do principal mosquito vetor, Aedes aegypti, em regiões urbanas cada vez mais populosas. A possibilidade de que o vírus tenha sofrido mutação para se espalhar com mais eficiência tem sido debatida; porém, é importante observar que as cepas de vírus Zika que circulam nas Américas parecem geneticamente semelhantes a cepas mais antigas não associadas com disseminação geográfica. O vírus Zika foi recentemente isolado em mosquitos Aedes albopictus; porém, o papel desse vetor alternativo na disseminação do Zika ainda não foi determinado.

Até 2 de julho de 2016, 40 países nas Américas apresentavam a transmissão local continuada do vírus Zika. Nos últimos meses, o Zika causou epidemias locais no U.S. Commonwealth de Porto Rico e nos territórios norte-americanos de United States Virgin Islands (USVI) e Samoa Americana. A epidemia em Porto Rico tem sido disseminada (106.000 infecções estimadas até o momento, representando todas as regiões da ilha); recursos nacionais consideráveis estão sendo aplicados para o seu controle e para evitar as complicações, como defeitos congênitos em fetos e bebês de gestantes infectadas. Além de 934 casos de doença pelo vírus Zika associada a viagens na região continental dos Estados Unidos incluindo o Distrito de Colúmbia, Porto Rico, USVI e Samoa Americana relataram juntos 2.020 casos adquiridos localmente e 6 casos associados a viagens. Entre >530 gestações afetadas pelo Zika relatadas em todas essas regiões combinadas, os defeitos congênitos foram vistos até o momento em 7 nascidos vivos e em 5 casos de perda fetal


Complicações do Zika

Ficou claro que a infecção por Zika em gestantes está associada com uma variedade de defeitos congênitos incluindo microcefalia, calcificações cerebrais, defeitos visuais, artrogripose, defeitos de redução de membros e muitos outros problemas, bem como problemas de início tardio em lactentes que não apresentavam evidências de defeito in utero ou ao nascer. Isso inclui atraso de desenvolvimento, convulsões, problemas de alimentação e choro persistente. O escopo e a incidência desses problemas estão sendo intensamente estudados; porém, muitas questões ainda não têm respostas.

Os dados disponíveis ainda não quantificaram os riscos do vírus Zika na gestação, embora dois estudos relativamente robustos tenham estimado incidências de defeitos congênitos graves de todos os tipos em gestantes infectadas pelo Zika entre 1% e 29%. Como seria esperado pela experiência com outros teratógenos virais, especialmente rubéola, os estudos estão começando a sugerir que os defeitos congênitos mais graves, incluindo microcefalia profunda, tendem a resultar de infecções pelo Zika no primeiro trimestre ou no início do segundo trimestre. Um estudo relatou a incidência de microcefalia em 1-13% dos fetos de mulheres infectadas durante o primeiro trimestre da gestação (Johanssohn e colaboradores, 2016). Os dados clínicos e os dados experimentais em primatas sugerem que as gestantes infectadas pelo Zika podem apresentar viremia por períodos mais prolongados do que as mulheres não gestantes infectadas ou os homens infectados; porém, não se sabe se isso é devido à imunidade alterada na gestação ou, como parece mais provável, pela infecção persistente do feto.

Dez países nas Américas relataram casos de microcefalia ou outras malformações fetais potencialmente associadas à infecção pelo Zika em gestantes; a grande maioria desses casos ocorreu no Brasil. Apesar de uma grande carga de infecções pelo vírus Zika, a Colômbia relatou até o momento muito poucos casos de defeitos congênitos apesar de extensas investigações; porém, outros defeitos congênitos associados ao Zika podem ser vistos na Colômbia agora que a epidemia do país está completando 9 meses. Embora alguns bebês colombianos que foram potencialmente expostos ao Zika no segundo ou terceiro trimestres tenham nascido saudáveis, outros bebês potencialmente expostos no primeiro trimestre estão recém chegando ao final da gestação, p. ex., aqueles potencialmente expostos entre outubro de 2015, quando começou a epidemia na Colômbia, e dezembro de 2015. A verdadeira incidência de defeitos congênitos nas mulheres colombianas infectadas durante a gestação será conhecida nos próximos meses.

As complicações neurológicas associadas com a epidemia de Zika continuam a ser relatadas com frequência relativamente baixa, sendo estimadas em cerca de 1 por 4.000 infecções por Zika para a síndrome de Guillain-Barré. Outra possível complicação imunomediada, a encefalomielite aguda disseminada (EMAD), foi relacionada à infecção pelo Zika com frequência aparentemente menor e ainda indeterminada


Virologia do Zika

Todos os vírus de RNA sofrem mutação à medida que se espalham por populações de novos hospedeiros; assim, não chega a ser surpresa que as cepas de Zika nas Américas estejam se diversificando durante a atual pandemia. O genoma da cepa das Américas, intimamente relacionada com as cepas de Zika do Pacífico em 2014, parece ser um pouco diferente de uma cepa que causou a epidemia de 2007 em Yap (Estados Federados da Micronésia) e é ainda mais diferente na sua sequência genética em relação às antigas cepas da Ásia e África. Contudo, não há evidências de que o vírus da pandemia tenha desenvolvido novas propriedades fenotípicas para facilitar a disseminação. Quando estiverem completos os estudos filogenéticos e epidemiológicos, deverá haver maiores informações disponíveis. Felizmente, os atuais testes de pesquisas e testes diagnósticos para a detecção do vírus, RNA viral e anticorpos antivirais, conseguem identificar todas as cepas atuais do vírus Zika.

Várias publicações recentes observaram que anticorpos monoclonais contra o vírus da dengue amplificam in vitro a infecção pelo vírus Zika de células contendo FcR. Isso levou à especulação de que a imunidade contra a dengue tornasse as pessoas mais suscetíveis à infecção pelo Zika ou ainda mais suscetíveis à doença grave pelo Zika, incluindo defeitos congênitos em lactentes de gestantes infectadas. Porém, o fenômeno de amplificação imune (amplificação de infecção dependente de anticorpos ou ADE [antibody-dependent infection enhancement]) é um fenômeno in vitro universal entre os flavivírus (Morens, 1994) e não necessariamente indica risco para pessoas infectadas. A ADE é amplamente suspeita de estar envolvida na ocorrência de doenças graves por dengue (febre hemorrágica da dengue e síndrome do choque da dengue) com a infecção sequencial por dengue com sorotipos diferentes de dengue (Halstead, 2007); porém, os anticorpos contra outros flavivírus, como o vírus da encefalite japonesa, não parecem colocar as pessoas em risco de doença grave por dengue mesmo que façam a mediação de ADE nos estudos in vitro. Ao redor do mundo, milhões de pessoas vivem em regiões que sustentam a circulação de múltiplos flavivírus sem demonstração de evidência de risco aumentado na gravidade clínica. As dúvidas em relação aos riscos de Zika nas pessoas imunes à dengue só podem ser respondidas por estudos epidemiológicos prospectivos de larga escala.


Ecologia Viral e do Vetor

Conforme citado, o virus Zika foi isolado em mosquitos Aedes albopictus nas Américas; porém, o papel potencial desse vetor alternativo ainda não foi determinado. A questão é de especial importância para os Estados Unidos, pois o Aedes albopictus é muito mais amplamente distribuído na parte continental dos Estados Unidos que o Aedes aegypti, potencialmente aumentando o risco de que os viajantes que retornam possam iniciar pequenos surtos locais em cidades nos Estados Unidos. Embora os mosquitos Aedes possam ser ao menos transitoriamente prevalentes em 40 Estados norte-americanos e em partes do Canadá (Hahn e colaboradores, 2016), acredita-se que os riscos de surtos locais na parte continental dos Estados Unidos sejam substanciais apenas em certas regiões do Texas, Louisiana e Florida.


Patogênese e História Natural, Incluindo a Transmissão Viral

Embora a grande maioria das infecções pelo Zika resulte de transmissão humano-mosquito-humano, o vírus Zika também tem tido transmissão sexual de homem para mulher e de homem para homem, através de transfusão de sangue e por acidente de laboratório. O nível exato de risco da transmissão sexual de homens infectados ainda não foi medido com precisão. As investigações no Brasil propuseram que a transmissão sexual pode contribuir de forma significativa para a transmissão global do vírus; porém, as evidências desse efeito são escassas. Nos Estados Unidos, apenas 13 casos de transmissão sexual foram relatados ao Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Presumivelmente pelo fato de que os testículos estão em um local “imunologicamente privilegiado”, o vírus Zika ou o RNA do vírus Zika podem permanecer nos testículos de homens infectados por muitas semanas, incluindo homens infectados que podem não reconhecer sua infecção. Há poucas evidências de que a infecção testicular prolongada seja prejudicial aos homens infectados; porém, esses homens podem potencialmente transmitir o vírus a seus parceiros sexuais, incluindo gestantes ou mulheres tentando engravidar. Isso traz um nível de risco adicional para essas mulheres e ressalta a importância de um aconselhamento abrangente em relação a práticas sexuais seguras.


Quadro Clínico

O quadro clínico da doença por Zika ainda é aquele de uma doença leve do “tipo dengue” com erupção cutânea, febre, injeção conjuntival, mialgias e artralgias. A proporção entre infecções subclínicas e clínicas, amplamente citada como sendo de cerca de 5:1, tem variado entre os estudos; porém, todos os estudos encontram mais casos subclínicos (assintomáticos ou com sintomas leves que não levam ao reconhecimento da doença por Zika) que clinicamente aparentes. Alguns estudos têm citado que a doença sintomática (p. ex., doença com erupção cutânea) em gestantes tem mais chances de levar à infecção fetal; porém, muitos daqueles dados foram gerados por métodos retrospectivos e bebês com aparente infecção congênita por Zika nasceram de mulheres sem infecção reconhecida por Zika. Embora a maioria das infecções por flavivírus com produção de erupção cutânea esteja associada com prurido pela erupção cutânea, há muitos relatos de pacientes com prurido incomumente intenso pelo Zika. Também foi relatado enantema com petéquias no palato duro; sua frequência é desconhecida. Além de mortes por defeitos congênitos e complicações neurológicas, têm sido relatadas raras mortes por Zika, possivelmente por coincidência ou por problemas subjacentes não relacionados.


Diagnóstico/Diagnóstico Diferencial

Embora vários novos testes diagnósticos tenham sido recentemente disponibilizados nos Estados Unidos sob a Emergency Use Authorization, os mesmos problemas diagnósticos de momento da coleta do material e interpretação dos resultados permanecem. A infecção pode ser confirmada por isolamento viral ou detecção por PCR do RNA viral apenas durante uma estreita janela de tempo (cerca de 7 dias) durante a doença aguda, com uma semana adicional de detecção pelo teste urinário. A determinação de infecção prévia pela detecção de anticorpos ainda é uma tarefa complicada, particularmente em pacientes com exposição prévia a flavivírus por infecção natural ou vacinas. É desejável a interpretação dos resultados de testes sorológicos para flavivírus por flavivirologistas experientes devido às muitas complexidades envolvidas que podem confundir médicos e equipes de laboratórios comerciais.

Manejo de Gestantes, Mulheres que Tentar Engravidar, Parceiros Sexuais Masculinos dessas Mulheres e Fetos/Bebês que Podem Ter Sido Expostos à Infecção por Zika

O CDC tem liberado informações frequentes e atualizadas sustentando o manejo e aconselhamento para mulheres e casais expostos ou com possibilidade de serem expostos ao vírus Zika. Como é frequente que as recomendações mudem conforme as informações são disponibilizadas, é desejável que os profissionais consultem regularmente a página do CDC (www.cdc.gov/zika/). Outras recomendações foram feitas pela Pan American Health Organization e pela Organização Mundial de Saúde, além de outras agências nacionais e profissionais. As recomendações abordam diferentes tipos de exposição, incluindo exposições de mulheres que vivem em regiões epidêmicas, exposições de mulheres e casais que viajam para regiões epidêmicas e exposições de mulheres que vivem na parte continental dos Estados Unidos e que podem ser expostas por parceiros sexuais infectados. O objetivo mais importante do aconselhamento é aplicar as múltiplas abordagens disponíveis para a proteção das mulheres gestantes contra a infecção pelo vírus Zika, incluindo o intervalo de gestação entre a concepção e a determinação da gestação e o período de 2-3 semanas antes da concepção.


Prevenção e Controle

Conforme citado, o Zika está atualmente se espalhando de forma epidêmica por Porto Rico, USVI e Samoa Americana; no próximo ano são esperados pequenos surtos locais de transmissão autóctone em determinadas regiões continentais dos Estados Unidos. Como não há disponibilidade de vacina ou fármacos efetivos dentro dos próximos 1-2 anos (se houver), a prevenção deve depender de esforços da comunidade e governo (educação e aconselhamento, controle do vetor, diagnóstico e infecção) e da proteção pessoal feita pelos indivíduos. O CDC lançou recentemente um abrangente Draft Interim Response Plan (www.cdc.gov/zika/) que representa um panorama do controle do Zika em nível nacional, estadual e local. Nos próximos meses, os profissionais terão um importante papel no aconselhamento e educação dos pacientes, os quais podem estar confusos pelas muitas complexidades do vírus Zika (Plourde, Bloch, 2016) e pelas informações em constante evolução relatadas na mídia à medida que a pandemia progride e à medida que centenas de estudos científicos são completados e relatados.


Prevenção e Controle

Hahn MB et al.: Reported distribution of Aedes (Stegomyia) aegypti and Aedes (Stegomyia) albopictus in the United States, 1995-2016 (Diptera: Culicidae). J Med Entomol, 2016
[PubMed: 27282817]
Halstead SB: Dengue. Lancet 370:1644, 2007
[PubMed: 27362784] Johanssohn MA et al.: Zika and the risk of microcephaly. N Engl J Med, 2016
Morens DM: Antibody-dependent enhancement of infection and the pathogenesis of viral disease. Clin Infect Dis 19:500, 1994
[PubMed: 7811870]
Plourde AR, Bloch EM: A literature review of Zika virus. Emerg Infect Dis 22:1185, 2016
[PubMed: 27070380]